Ano após ano, o agronegócio brasileiro se mantém como fonte de boas notícias, com as safras crescendo em produtividade e o setor ganhando cada vez mais peso nas exportações e no PIB do país. O trabalho realizado por décadas em laboratórios, como os da Embrapa, para desenvolver sementes e insumos adequados às peculiaridades brasileiras, tornou o país no quinto maior produtor de alimentos do globo e no segundo maior exportador de commodities agropecuárias. E é exatamente essa vantagem que fará com que o setor permaneça em ótima forma e saúde num ano terrível para a economia brasileira. Enquanto economistas preveem queda de cerca de 5%, o crescimento do PIB da agropecuária é estimado, com pandemia e tudo, em 2,4% neste ano. Um ponto absolutamente fora da curva quando comparado a áreas como serviços e indústria, tanto do Brasil quanto de outros países.


Na verdade, o Brasil está prestes a colher a produção agropecuária mais valiosa da história, avaliada em 697 bilhões de reais pelo Ministério da Agricultura. Boa parte desse valor vem da safra recorde de grãos, de 250,9 milhões de toneladas no ciclo 2019/2020, segundo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Principal item de exportação do país, a soja tem produção estimada em 120,3 milhões de toneladas, também uma marca nunca antes alcançada. “Com essa pandemia, o mundo inteiro entendeu que é possível ficar sem sapato, sem roupa, mas não sem comida. De uma forma universal, a população se deu conta de que a agricultura é fundamental. E há uma consciência da importância do papel do Brasil como protagonista no aumento da oferta global de alimentos”, explica Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e professor da Fundação Getulio Vargas.


Os números mostram a solidez do agronegócio. O Brasil exportou no ano passado o total de 225 bilhões de dólares, e o agronegócio sozinho foi responsável por 97 bilhões de dólares desse montante, ou seja, uma fatia de 43% de tudo o que foi vendido para o exterior. Entretanto, nos embarques do mês passado é possível notar o grande impacto da pandemia: a participação do agronegócio no total exportado saltou para 55,8% em abril — o maior índice já registrado em toda a série histórica, iniciada em 1997 (veja o quadro na próxima página). O resultado é reflexo de vendas recordes em volume de vários itens da pauta, sobretudo de soja, com 16,3 milhões de toneladas, e de carne bovina, com 116 000 toneladas. Outro fator importante é que todas as empresas brasileiras exportadoras de commodities agrícolas estão se beneficiando do dólar mais alto, que torna o produto nacional mais competitivo.


O principal motivo para esse cenário tão alvissareiro é a China, que, após o relaxamento das restrições de isolamento impostas para combater o coronavírus, retomou o seu apetite importador. O país asiático é o mais importante parceiro comercial do Brasil e comprou 31% de tudo o que os brasileiros venderam para o mundo neste ano, uma fatia maior que a correspondente à União Europeia, aos Estados Unidos e à Argentina juntos — e esses bons números se mantiveram mesmo com as frequentes grosserias disparadas contra os chineses por integrantes do governo e figuras próximas ao presidente Jair Bolsonaro. Outro fenômeno ocorreu com países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Rússia, que aumentaram suas compras para recompor seus estoques de alimentos durante a pandemia.




Embalado por boas safras, o agronegócio brasileiro tem tudo para sair maior da crise em dois aspectos. Primeiro, pela segurança alimentar, como um parceiro confiável no fornecimento de alimentos e com capacidade de ofertar a todo tempo. Segundo, pela qualidade do produto, decorrente dos crescentes cuidados dispensados às mais rigorosas normas sanitárias. Pelo que se sabe até o momento, a crise do coronavírus teve início em um grave problema de zoonose — doença transmitida por animais a seres humanos — em Wuhan, na China, o que aponta para um controle cada vez mais rígido sobre as condições de saúde animal (veja a reportagem na pág. 70). O mundo terá de encontrar maneiras para evitar que isso aconteça novamente, o que pode significar mudanças drásticas nos hábitos de consumo e no controle sanitário. Como o Brasil avançou enormemente no tema, pode se tornar uma escolha ainda mais óbvia para quem não compra aqui hoje. “Vivemos um divisor de águas, uma transformação da magnitude da queda do Muro de Berlim para o mundo político e do ataque às Torres Gêmeas para a segurança internacional. Testemunhamos um evento que mudará a percepção de risco de todo o planeta em relação à disseminação de doenças”, compara Marcos Jank, especialista em agronegócio global e pesquisador do Insper.


Nesse aspecto, o Brasil, por ser o maior exportador do mundo de carne bovina, com 2 milhões de toneladas por ano, está à frente de seus pares em observação das normas e restrições. As unidades de abate e processamento de carne seguem controles sanitários rígidos e contam com a presença de inspetores do Serviço de Inspeção Federal (SIF), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, diretamente nas linhas de produção, controlando o processo em todas as etapas. “Temos todas as condições para conquistar novos mercados a partir de agora. A Índia, por exemplo, que exporta muita carne de búfalo, um produto mais barato, tem sérios problemas de controle sanitário em suas empresas”, diz Edison Ticle, diretor financeiro da Minerva Foods, empresa que detém a liderança na exportação de carne bovina da América do Sul.



DESTAQUE - Tereza Cristina: conquista de novos mercados no Oriente Médio Amanda Perobelli/Reuters



Outro fator importante é que essa é uma das áreas do governo em que a competência se sobrepõe. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem feito um trabalho de destaque na conquista de novos mercados para as commodities brasileiras, principalmente no que diz respeito às vendas de proteína animal no Oriente Médio. Sem contar a sua atuação para evitar danos maiores ao agronegócio ocasionados por crises diplomáticas criadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro ou por integrantes de seu governo — o episódio das queimadas na Amazônia é o exemplo mais claro dessa interferência negativa.


Evidentemente, nem todo o setor do agronegócio sairá ileso da crise. As usinas de álcool, por exemplo, enfrentam a queda da demanda, devido às restrições de mobilidade impostas para conter a pandemia e a brutal queda no preço do petróleo, o que tira a competitividade do etanol. Da mesma forma, o segmento de algodão se prepara para enfrentar o baque decorrente da queda nas vendas de peças de vestuário, que deve se manter por todo o ano. Isso sem contar o choque que acometeu o setor de flores, a ponto de produtores destruírem suas colheitas encalhadas. Como forma de mitigar os efeitos da crise para essas áreas, o Ministério da Agricultura tem tomado uma série de medidas. O governo anunciou recentemente novas linhas de crédito, aumentou as compras públicas e prorrogou o pagamento de dívidas. Sem nenhuma dúvida, a pandemia deve deixar marcas bastante negativas na economia brasileira. Mas a força do campo, mais uma vez, vai ajudar o país a sair mais rápido dessa.


Fonte:Alessandra Kianek 

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