O conceito de cidade, ao longo dos tempos, se tornou um fiel da balança da evolução humana. Sempre que ocorre alguma transformação, é nos aglomerados urbanos que ela mais costuma se manifestar.
Estes aglomerados, termo que não condiz com o momento atual, surgiram, afinal, como um suporte à própria sociedade, em termos de relações humanas, serviços e comércio no longínquo Neolítico (entre 8 mil e 4 mil a.c).
Dependendo da transformação, a cidade poderia inflar, por meio do êxodo rural, ou esvaziar, no chamado êxodo urbano. A atual pandemia de covid-19 tende, neste contexto, a ser mais um capítulo destas movimentações populacionais e a acelerar um fenômeno de êxodo urbano que já se insinuava com a revolução tecnológica.
Para o professor de Geografia, Éder Luiz da Silva, formado pela Unesp, o atual cenário, no Brasil e no mundo, está dando mostras de que, novamente, seguindo as necessidades de se evitar aglomerações, o medo do contágio e a busca de qualidade de vida, as populações das grandes cidades deverão diminuir. Muita gente irá morar em cidades menores ou até mesmo no campo.
"Eu entendo que sim, que a pandemia deve contribuir para um êxodo urbano. Nas últimas décadas do século 20, esse fenômeno se apresentou na Europa. Cidades como Paris, Londres e Madrid, devido à diminuição da qualidade de vida (com poluição e trânsito), tiveram muitos habitantes as deixando para residir nas áreas rurais próximas, fazendo diariamente o movimento pendular (deslocamento para o trabalho)", afirma.
Nesta espiral que é o desenvolvimento das sociedades, o mundo já vivenciou momentos semelhantes, nos quais as populações das metrópoles diminuíram. Segundo artigo da revista Foreign Policy, após a pandemia da gripe espanhola, no início do século passado, a população da Ilha de Manhattan, em Nova York, que era de 2,5 milhões em 1920, baixou para 1,5 milhão em 1970.
Home office e tecnologia
Silva acrescenta que, com a tecnologia que facilita a comunicação a distância, muita coisa será diferente após a pandemia, inclusive no Brasil.
"Essa tendência de saída das cidades já existe no Brasil, assim como o trabalho em home office. Mas aqui, a migração para o campo é muito pequena. Registra-se sim, uma migração dos grandes centros urbanos para outras áreas urbanas menores, de São Paulo para o interior do Estado, por exemplo."
E a própria organização da sociedade vai se alterando de acordo com os acontecimentos. Alguns, gerados pelo próprio homem, com ambições políticas e territoriais diretas. Outros, sem a influência deles. E ainda outros, com uma participação indireta, motivadora de fenômenos naturais.
Ao longo da História, êxodos rurais ou urbanos ocorreram por causa de problemas econômicos e sociais; desastres naturais, com mudanças de clima, terremotos e vulcões; guerras e conflitos político ou epidemias, endemias e pandemias, ressalta o professor.
Vários momentos foram marcados por fortes migrações, desde o movimento de povos na Mesopotâmia, na era antiga, até conflitos, fome e seca na África, nos dias de hoje, passando pela Revolução Industrial, a partir de 1740 d.c.. No século 20, a Primeira e a Segunda Guerra até hoje causam repercussão na estabilidade geográfica de populações.
Quem trabalha na área de tecnologia já estava observando que em nossos tempos também estão ocorrendo mudanças. Elas se intensificaram a partir dos últimos meses, conforme admite, em live, o especialista em tecnologia, Arthur Mizne, de Londres.
“O home office e as reuniões remotas já se tornaram uma realidade. Agora vocês (as pessoas em geral) podem procurar emprego na empresa dos seus sonhos em qualquer lugar do mundo”, alerta, mostrando que a tendência é a de que os deslocamentos internos pelas ruas da cidade se restrinjam a momentos de maior necessidade.
Mudanças na cultura
O fator cultural, essencial para a vida nas metrópoles, também está se transformando, e obrigando, em alguns setores, as grandes cidades a se transformarem junto com ele, conforme observa o produtor cultural Fábio Maleronka.
"Não sei se dá para dizer que há uma crise na metrópole, é um passo um pouco apressado, temos de ver o que vai acontecer nesta questão da pós-pandemia, mas o que dá para falar com certeza é que determinados processos que já estavam acontecendo vão ser acelerados", destaca.
Entre os setores, Maleronka acredita que o audiovisual e o de música, em termos de consumo de produtos, serão os mais afetados. Atuante na área, ele afirma, porém, que as lives não substituirão os shows, após a pandemia.
"Mas em relação a processos que já estavam acontecendo, como streaming, na linguagem audiovisual, isso (a mudança) se acelerou. Por exemplo, a migração de cinema de rua para o VOD (Video on Demand), com assinatura. Em outros setores, como a música, também estavam acontecendo mudanças", completa.
Fonte:Eugenio Goussinsky, do R7