A população de idosos têm crescido no Brasil e no mundo, e conforme esse grupo ganha mais espaço na sociedade as estratégias e condutas que as pessoas idosas devem tomar para ter mais qualidade de vida ganham mais importância. Um desses cuidados é o de garantir um bom funcionamento do cérebro, protegendo a memória, raciocínio e outras funções.


Para chamar atenção para essa mudança nas sociedades e seus desafios, foi criado, pelo Senado Federal, o Dia Nacional do Idoso, comemorado em 27 de setembro. A Organização das Nações Unidas (ONU) também aprovou, em 1990, a criação do Dia Internacional do Idoso, celebrado no dia 1 de outubro.


No Brasil, por exemplo, é esperado que os idosos sejam quase 30% da população até 2050, e que a partir de 2030 o País tenha mais pessoas acima de 60 anos do que pessoas entre 0 e 14 anos. A expectativa de vida atual, que ainda deve crescer, é de 79,7 anos.


Além de alguns cuidados e mudanças no cotidiano conforme envelhecemos, a população idosa se deparou com um novo problema em 2020: a pandemia do novo coronavírus. Por fazerem parte do grupo de risco para a doença, os idosos precisam ter cuidados redobrados, junto com a necessidade de praticar o isolamento social.


Thais Bento Lima da Silva, professora do curso de gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH - USP), afirma que esse cenário levou a impactos na rotina dos idosos, que também influenciam o bem-estar psicológico desse grupo, demandando uma ressignificação de suas rotinas.


“Muitos eram frequentadores de centros de convivência, atividades culturais, programas com vínculos estabelecidos, que foram afetados pelo distanciamento social. Isso implica em mudanças na rotina, nos objetivos, e até de significado de vida”, comenta Thais. A consequência, assim, é o surgimento de pensamentos mais ansiosos, estresse e sintomas da depressão. 


Outro problema é que, dentro de casa, as atividades que podem ser feitas são limitadas, em especial para aqueles com difícil acesso à internet ou falta de conhecimentos para navegar na rede. Esse cenário acaba sendo propício, também, para uma rotina mais parada, que gera menos estímulos para o cérebro e leva a efeitos no órgão e em suas funções.


“[A pandemia] Afetou a qualidade de sono pois a rotina é mais ociosa, o idoso fica mais tenso, mais preocupado, fica difícil relaxar, pensar em coisas positivas, e ele deita com essa agitação, inquietação”, complementa a professora. Mas como lidar com esse cenário?


A importância dos exercícios cognitivos

Os exercícios cognitivos recebem esse nome pois trabalham com atividades de estímulo para o cérebro. Tânia Ramos, gestora do Programa AtivaIdade, que reúne diversos exercícios de estimulação cognitiva para pessoas com mais de 60 anos, observa que existem “dezenas de atividades, e a maioria é bem simples, fácil de fazer”.


A ideia é que esses exercícios mantenham o cérebro estimulado, já que o envelhecimento ainda é acompanhando por uma desaceleração da rotina e da quantidade de experiências pelas quais passamos. 


O objetivo é estimular “memória, cognição, coordenação motora, raciocínio lógico”, explica Tânia, permitindo que o cérebro não apenas possa continuar a exercer bem essas funções, mas também preservar o grau de raciocínio ou as memórias que a pessoa já possui.


“Há muitas mudanças positivas decorrentes da estimulação cognitiva, ela compensa mudanças do envelhecimento. Você usa mais estratégias para lembrar e o cérebro passa por uma neurogênese, formando novos neurônios, fortalecendo a rede neural”, comenta Thais Bento. Assim, é criada uma “reserva cognitiva”, que ajuda inclusive a lidar com doenças.


Tânia explica que contam como exercícios cognitivos atividades simples, como caça-palavras, sudoku, xadrez, tricô, crochê, palavra-cruzada, atividades artesanais como um todo, leitura, leitura em voz alta, contas simples de matemática, e também práticas que demandam um pouco mais de disposição, como dançar ou cantar.


Já Thais observa que é importante levar em conta as vontades do idoso na hora de definir quais exercícios fazer - até porque atividades feitas com má vontade não costumam trazer bons resultados. O idoso deve ter protagonismo no processo, e a partir daí é possível inserir novidades e desmistificar opiniões sobre certas práticas.


“A história de vida deve ser valorizada, a trajetória não pode ser esquecida, o que o idoso enfrentou, seus sonhos, o que contribuiu para a sociedade, e ele deve se enxergar como um ser em constante mudança e aprendizado”, destaca a professora.


Entretanto, é válido tentar apresentar atividades inéditas, e também ir alterando partes específicas da rotina, como forma de trazer novos estímulos e desafios continuamente para o cérebro. Essas pequenas mudanças fazem parte da chamada técnica neuróbica, e envolve, por exemplo, se vestir de olhos fechados, mudar onde usa um acessório, usar a mão não dominante para fazer tarefas, ou seja, criar desafios.


Outro passo importante nesse processo, segundo Tânia, é deixar de lado preconceitos: “a própria terceira idade tem um preconceito que o idoso não pode brincar, se divertir, fazer graça, elas já se sentem incomodadas com isso e não fazem nada”. Ela destaca que é válido realizar as atividades que gosta, mas cair na rotina não é benéfico, nesse sentido, é importante ir, ao menos, alternando essas práticas periodicamente.


Mas os estímulos cognitivos que podemos fornecer para o cérebro vão além dessas atividades. Viajar, por exemplo, é ótimo para qualquer pessoa, e serve como um grande estímulo neurológico pela mudança de cenário e as novas experiências.


Aprender uma língua, voltar a estudar, criar ou planejar um novo negócio também são atividades válidas, desde que a pessoa tenha condições (físicas, psicológicas e financeiras) para tal. Tânia destaca que não é necessariamente um problema se o plano não sair do papel, já que planejar uma viagem ou um negócio já gera estímulos.


E, para aqueles que têm mais facilidade com a internet, é válido aproveitar o ambiente virtual para conversar com amigos, procurar jogos e outras atividades, ler artigos e e-books. É importante, porém, ter dois cuidados: não ficar viciado em ficar no ambiente digital e também não cair apenas em exercícios que não são voltados para os mais velhos.


“Tem que ver a autoria do material, o profissional, anteriormente acreditava-se que essas atividades cognitivas eram só para crianças e adolescentes, então elas predominam na internet, mas isso não serve pra idoso, porque ele é um adulto mais velho, tem que entender a preferência dele”, explica Thais.


A importância do contato

A professora de gerontologia observa que os exercícios cognitivos costumam ser mais efetivos quando feitos em grupo, seja com familiares ou com outros idosos. Um problema que ela aponta, porém, é que às vezes, na tentativa de ajudar, os familiares de uma pessoa idosa podem acabar atrapalhando. 


“O que a gente observa é que muitas famílias se preocupam com uma possível piora do desempenho cognitivo dos familiares, e sem respaldo profissional buscam atividades na internet, mas é importante ter cuidado com o que se encontra lá”, aconselha Thais. Isso não significa que é necessário sempre procurar orientação profissional, mas ela costuma aumentar a efetividade dos exercícios.


Já Tânia destaca que, muitas vezes, existem formas melhores da família ajudar os idosos: “conversar é o mais importante para quem convive com um idoso, não deixar essa pessoa como se fosse à parte. Pedir para contar histórias, jogar junto, cantar junto, organizar fotos. São coisas cognitivas e afetivas”.


“Os familiares não podem ver os idosos como incapazes, por mais que possam ter alguma deficiência ou algo que não esteja bem, eles têm outras capacidades que estão ok, devem ver onde podem colaborar com isso. É muito triste ver as pessoas mais jovens querendo deixar os idosos fazendo nada”, afirma.


Além dos familiares, é válido que os idosos mantenham o contato com seus amigos, e também busquem conhecer novos amigos, pensando não apenas nos estímulos para o cérebro que isso traz, mas também na redução da solidão e na importância afetiva desse contato.


Os centros comunitários, clubes, grupos em redes sociais, chamadas em vídeo e outros locais de contato são importantes para isso, mas Thais observa que ainda falta um investimento público para criação de espaços físicos, o que limita a quantidade de idosos que podem ter essas novas experiências, no geral os de parcelas mais ricas da população.


“Existem poucos serviços específicos considerando a complexidade do Estado de São Paulo, falta uma oferta de mais serviços, o que obriga um deslocamento maior para fazer essas atividades. Essas limitações precisam ser supridas com políticas públicas voltadas para essas pessoas idosas”, opina a professora. 


O objetivo final, segundo a professora, é permitir que a pessoa idosa tenha uma boa qualidade de vida e possa envelhecer bem: “a ideia é que o idoso possa manter autonomia e independência, então precisa ver o que facilita e promove isso, focando em um estilo de vida saudável, boa qualidade de sono, exercícios e na estimulação cognitiva”.


Fonte: O Estado de São Paulo

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