Silvio Santos completa 90 anos de vida. Sua extensa carreira na TV e no mundo dos negócios já foi analisada por muitos, inclusive por mim no livro biográfico Silvio Santos – A Trajetória do Mito (Matrix, 2017), best-seller com cinco edições vendidas. Entretanto, ainda é pouco repercutido o caminho trilhado por ele no rádio, mídia que o revelou e consagrou no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Apesar de hoje cumprir apenas o papel de ouvinte, já tendo declarado diversas vezes que costuma sintonizar a Jovem Pan, Silvio ocupou diversos postos de trabalho no rádio, de locutor comercial a comunicador, chegando a ser proprietário de emissoras.
O início na Guanabara
Tudo começou quando Silvio Santos ainda era adolescente. Ele atraía gente nas calçadas do centro do Rio de Janeiro com suas mágicas e vendia carteiras para título de eleitor, canetas, anéis, bonecas e outros artigos. Vários guardas já haviam tentado capturá-lo, mas sua conversa fácil e voz inconfundível acabavam por impressionar os populares, que chegavam a se mobilizar para impedir que o jovem camelô fosse levado para a cadeia.
Impressionado com o poder de comunicação do rapaz, o então diretor de fiscalização da Prefeitura, Renato Meira Lima, teve uma ideia: ao invés de apreender Silvio — que ainda era chamado por seu verdadeiro nome, Senor Abravanel —, resolveu indicá-lo para participar de um teste de locutores na Rádio Guanabara. Na época, a estação pertencia a Jorge de Matos, dono do Café Globo, e, alguns anos mais tarde, passaria às mãos da Bandeirantes. Dentre os vários inscritos nesse concurso, estavam os ainda desconhecidos Chico Anysio e Fernanda Montenegro. Silvio conquistou o primeiro lugar e assim iniciou sua trajetória artística.
Apesar da satisfação pessoal, o agora radialista sentiu no bolso o preço por mudar de profissão: se na Guanabara ganhava 1.300 cruzeiros por mês, na rua ele conseguia tirar 960 mil réis por dia e em menos de uma hora (enquanto os guardas almoçavam). Resultado: apenas um mês depois de estrear ao microfone, Silvio voltou a ser camelô. Seu gosto pelo rádio, porém, permaneceu.
Silvio Santos como 'colega de trabalho'
Como vendedor, Silvio conseguia ter as tardes livres e aproveitava para participar da plateia dos programas mais famosos do dial. Um dos seus preferidos era o Trem da Alegria, transmitido pela recém-inaugurada Rádio Globo e comandado pelo chamado "trio de osso": Yara Salles, Lamartine Babo e Heber de Boscoli. No livro A Vida Espetacular de Silvio Santos, escrito por Arlindo Silva (L. Oren, 1972), o "homem do Baú" cita Heber como uma de suas maiores referências na comunicação, ao lado do ícone Cesar de Alencar.
"Nesse tempo havia dois grandes ídolos no rádio: Cesar de Alencar e Heber de Boscoli […]. Eu gostava muito do Cesar de Alencar. Ele sempre foi um homem que eu admirava, porque quando eu chegava à escola — eu estava no ginásio naquele tempo — as moças, na 2ª feira, só falavam no Cesar de Alencar. Então eu tinha, assim, uma pontinha de ciúme do Cesar de Alencar, porque as meninas falavam muito nele e até pareciam apaixonadas por ele. Eu, então, comecei a ouvir o Cesar de Alencar na Rádio Nacional e realmente gostava do programa dele. Havia sábados em que eu ficava ouvindo o programa do Cesar do começo ao fim. […] Consegui assimilar os estilos do Cesar de Alencar e o de Heber de Boscoli, apesar de serem dois estilos diferentes, não imitando um ou outro, mas por ter visto como eles se comunicavam com o público. O Heber dizia: 'Quem é que está com um sapato da Cedofeita no pé'? Aí, todo mundo respondia: 'Eu, eu, eu'! 'Quem é que trouxe o talãozinho'? 'Eu, eu eu'! Então aquele bate papo que o Heber de Boscoli tinha com o auditório é praticamente o bate papo que hoje eu tenho com o auditório e aquela maneira como Cesar de Alencar fala é, praticamente, a maneira como eu falo hoje."
Foi nesta fase que nasceu o pseudônimo de Silvio Santos. Quando desejava ganhar dinheiro extra, Senor inscrevia-se em algum concurso de locutores. Por ganhar com muita frequência, seu nome ficou famoso no meio e as emissoras passaram a recusar sua participação por já o considerarem um profissional. Para fugir desta restrição, o jovem encontrou uma rápida saída. Assim que o produtor de um teste perguntou seu nome na hora da inscrição, Senor respondeu: "Silvio", forma como sua mãe Rebeca já lhe chamava. Quanto ao sobrenome, a ideia veio imediatamente em seguida: "Santos, porque eles ajudam".
A volta ao microfone
A vida como estudante, camelô e ouvinte permaneceu até os dezoito anos de idade, quando Silvio foi obrigado a cumprir o serviço militar. A nova vida no Exército, onde foi paraquedista, o impedia de seguir como vendedor ambulante, afinal, caso fosse preso pela Polícia Militar, sua punição seria ainda mais severa. Com isso, voltou ao rádio através da Mauá, uma estação que pertencia ao Ministério do Trabalho. A oportunidade foi conseguida pelo locutor Celso Teixeira e não envolvia nenhuma remuneração, mas esse já não era mais o problema: agora, seu desejo era realizar-se profissionalmente e trabalhar com aquilo que mais amava.
Na Rádio Mauá, Silvio participava como locutor comercial do programa de Silveira Lima, aos domingos, justamente seu dia de folga no Exército. Lima era um dos maiores sucessos do rádio carioca nas décadas de 1940 e 1950, mas nunca permanecia muito tempo na mesma emissora. Tanto que, mais tarde, viria a se transferir para a Rádio Tupi, então sediada na avenida Venezuela. Silvio Santos o acompanhou nesta mudança, que acabou por viabilizar, inclusive, a sua estreia na televisão, atuando como figurante de alguns programas do pioneiro canal 6 do Rio.
Visando melhorar seus ganhos, Silvio mudou para a Rádio Continental, em Niterói. Trabalhava entre 22h e meia-noite. Saiu de lá para montar nas barcas da Cantareira um serviço de alto-falantes que animava a viagem dos passageiros e gerava muitos negócios, principalmente através da venda de bebidas. Não tardou para que Silvio se transformasse no maior cliente carioca da Companhia Antarctica.
A chegada a Rádio Nacional de São Paulo
Foi justamente a partir do convite de um diretor da Antarctica que Silvio Santos foi a São Paulo pela primeira vez. Ao comentar com Fernando Nóbrega, seu colega de Continental, que faria esta viagem, ouviu o seguinte: "Quando você for, procure meu irmão, o Manoel. Ele é mais conhecido do que moeda de quatrocentos réis!". Fernando ainda chegou a fazer uma carta de recomendação que, segundo consta, não foi apresentada.
De fato, Manoel de Nóbrega era uma figura popularíssima: tratava-se da maior audiência do rádio paulistano, além de ser o deputado estadual mais votado na época. Silvio e Manoel viriam a se conhecer na Rádio Nacional de São Paulo, que era controlada por Victor Costa e que não possuía qualquer vínculo com a homônima carioca. Silvio Santos fez um teste com Dermival Costa Lima, então diretor da rádio, e acabou aprovado e contratado imediatamente. Como o salário era atraente e havia conseguido uma pensão barata para morar, Silvio resolveu não voltar mais ao Rio de Janeiro.
Um dos seus primeiros programas na Nacional foi o Cadeira de Barbeiro, ao meio-dia, que era repleto de humor e críticas políticas. Manoel de Nóbrega, responsável pela atração, permitiu que Silvio Santos fosse apresentador e locutor comercial.
Silvio Santos: comunicador-amigo
A popularização da televisão forçou transformações no meio rádio, que teve de deixar os auditórios para concentrar-se numa relação mais íntima entre os comunicadores e seus amigos ouvintes. Esta transformação se deu quase que no mesmo período em que a Organização Victor Costa, controladora da Rádio Nacional e da TV Paulista, foi comprada pelo grupo Globo.
Se o canal 5 paulistano adaptou-se ao modelo da carioca TV Globo, o mesmo pode se dizer sobre a Rádio Nacional, que alinhou-se com o estilo da Rádio Globo do Rio de Janeiro, que havia assumido a liderança de audiência em 1965 ao valorizar o carisma pessoal dos seus comunicadores e o tripé música-esporte-notícia.
Nessa nova fase, Silvio Santos assumiu as manhãs dos 1100 AM paulistanos com um programa diário, ao vivo, que levava seu pseudônimo. O objetivo era transportar o clima do auditório dominical para o radinho das donas-de-casa — público principal da emissora neste horário. Muitas vinhetas cantadas e aplausos eram inseridos para dar um tom festivo à atração. Lucimara Parisi era produtora do programa, interpretava a fofoqueira Candinha e ainda participava do quadro Justiceiro Invencível (em que o justiceiro, claro, era Silvio Santos). Silvio permaneceu na Rádio Nacional de São Paulo até 1976, chegando a participar, inclusive, da fase de transição que desembocou na mudança do nome da estação para Rádio Globo São Paulo.
Record: sua última rádio
Depois de comprar 50% das ações da Rádio e Televisão Record, o apresentador e empresário transferiu para lá todos os seus programas e isso podia ser ouvido, inclusive, nas vinhetas de identificação da rede: "Rádio Record Sociedade Anônima São Paulo. ZYK 522; onda média 1000 kHz. Especialista em Brasil. Emissora do grupo Silvio Santos e do grupo Paulo Machado de Carvalho".
Silvio realizou muitos investimentos visando reposicionar a Record AM dentro do segmento popular e ainda conquistar a audiência do interior brasileiro, principalmente através do tradicional programa de Zé Béttio. Maria Celeste Mira, em seu livro Circo Eletrônico – Silvio Santos e o SBT (ed. Loyola; Olho D'água), trata das novidades tanto na atração radiofônica comandada pelo "patrão" quanto no restante da grade:
"A estrutura de seu programa foi modificada. Segundo Ademar Dutra, que o dirigia na época, os quadros radiofonizados que vinham realizando morreram com o elenco da Rádio Globo. Em lugar deles, passaram a ser feitos alguns quadros consagrados na televisão, como 'Qual é a Música?' ou 'Quem Sabe Mais, o Homem ou a Mulher?', usando 'todo aquele impacto da televisão no rádio'. De maior importância, porém, são as contratações de Gil Gomes, e dos disc-jóqueis Barros de Alencar e Eli Correa, de enorme popularidade no rádio. Com os dois últimos, a Record AM passava a cobrir também o gênero de maior audiência no meio entre todas as classes sociais, o de música popular. Para reforçar o gênero policial, entraria ainda Jacinto Figueira Jr., 'O Homem do Sapato Branco'".
O fim da carreira de Silvio Santos como comunicador no rádio coincidiu com os primeiros tempos do SBT. Silvio permaneceu como um dos acionistas da Record até 1989, quando a empresa foi vendida para Edir Macedo. Nesta época, além da AM, o animador também era sócio da FM Record, 89,7 de São Paulo, lançada em 1977. No início dos anos 1980, o grupo Silvio Santos chegou a constituir uma empresa chamada SBR – Sistema Brasileiro de Rádio S/C Ltda. visando novos investimentos nesta mídia. Também quase ficou com a Rádio Tupi do Rio de Janeiro.
Como se vê, a trajetória radiofônica de Silvio Santos foi tão profícua quanto a televisiva. No dial, ele também consagrou-se como líder de audiência e estendeu para as manhãs dos dias de semana a alegria que contagiava suas "colegas de trabalho" nas tardes de domingo.
Fonte: Tudo Rádio