Por amor ao filho, Frejat cantou que “iria a pé do Rio a Salvador”. Seguindo os mesmos passos para incentivar a carreira da mulher, cantora e compositora, o motoboy Jeovanni Alcântara, de 38 anos, foi correndo do Rio a São Paulo para mostrar as composições de Luna Labelle ao produtor musical Rick Bonadio.
Jeovanni saiu de casa, em Vista Alegre, na Zona Norte do Rio, às 4h do dia 24 de maio e percorreu correndo — sem qualquer tipo de apoio logístico — os 428 quilômetros até a produtora Midas, nos Jardins, em São Paulo. Foram quatro dias e 13 horas para ver Bonadio.
Mas Bonadio não foi trabalhar naquele 27 de maio, por estar muito gripado, e o motoboy acabou deixando um pen-drive com o trabalho de Luna com um assistente. No mesmo dia, voltou ao Rio. Desta vez, de ônibus.
O sacrifício não foi em vão: segundo Jeovanni, o produtor tuitou dizendo que já estava com o material e ia analisá-lo com carinho. E pediu o contato de Luna.
“Não queria ser mais um chegando de avião, carro ou bicicleta na porta de um dos mais famosos produtores musicais do país. Deve chover gente batendo na porta do Rick Bonadio. E-mail, telefonema, todo mundo faz. Para que ele me recebesse, tinha de fazer diferente”, explicou Jeovanni.
Ele disse que resolveu seguir as palavras de seu ídolo, o ultramaratonista americano David Goggins: “Seja o incomum entre os incomuns”. O motoboy queria surpreender o produtor musical em todos os sentidos, pois não tinha nenhum encontro agendado com Bonadio.
Um mês e meio de preparação
Ele conta que a aventura começou a se materializar há cerca de um mês e meio, quando chegou em casa do trabalho e encontrou Luna muito triste. Com a pandemia, muitos estúdios de gravação fecharam as portas, obrigando a mulher a deixar suas composições na gaveta. Foi então que decidiu partir para a ação inusitada.
“Pesquisei tudo na internet e disse para ela aprontar o material, que eu ia ajudar a divulgar o trabalho dela”, lembrou.
Jeovanni buscou ajuda com o ultramaratonista Márcio Villar, que bateu recorde ao caminhar 827 quilômetros numa esteira em sete dias.
“Ele me disse que o ideal seria percorrer 80 quilômetros por dia, divididos em quatro períodos de 20 km com intervalos de uma hora entre eles”, detalhou. Um personal o orientou a fazer treinos de exaustão.
Todos os dias, com sol ou com chuva, o motoboy se submetia a uma rotina de atleta de ponta: acordava às 6h e treinava em corridas de 18 a 20 quilômetros na praia ou na serra. Ele ia para o primeiro emprego às 12h30 e saía às 18h30. Pegava no segundo emprego das 19h30 à 1h. Antes de dormir, ainda fazia alguns exercícios.
Durante um mês e meio Jeovanni comeu diariamente seis ovos cozidos de lanche, nos intervalos dos treinos e do trabalho. Dos 86 quilos iniciais, passou a pesar 74. E acredita que perdeu ainda mais alguns quilos depois da ultramaratona até São Paulo.
“Trabalhei muito a minha mente e o meu corpo. Fui paraquedista militar. Numa missão, quando tinha 27 anos, andei sete dias até Resende (no Sul Fluminense) carregando uma mochila de 40 quilos”, lembrou.
Jeovanni até desenvolveu “um ingrediente secreto” para suportar a ultramaratona. “Inventei um soro com água retirada de amendoim salgado e açúcar de bananada. E levei uma mochila de hidratação com esse soro”, disse o marido apaixonado.
Na “mala” foram ainda barras de cereal, mudas de roupa e itens médicos como protetor solar, pomada para assaduras, esparadrapo e ataduras, para o caso de pequenas fraturas por exaustão. Ele cortou até o cabo da escova de dentes para reduzir o peso na corrida.
Sem medo para ver a mulher feliz
Jeovanni seguiu até São Paulo pela Via Dutra. Ele não pesquisou hotéis, pousadas ou postos de gasolina onde pudesse parar, comer ou dormir. Entre os 16 itens na mochila, ele levou uma rede de selva para descansar depois dos 80 quilômetros diários programados.
“Quando falei dessa ideia para a Luna, ela quase me bateu. Ela diz que teve medo justamente porque eu não tenho medo. Mas, depois ela me apoiou. Ela sabe que o importante para mim é continuar acreditando”, disse Jeovanni.
Aliás, essa não foi a primeira vez que Jeovanni embarcou numa aventura para apoiar a mulher. E diz que o que realmente conta para ele é receber apoio em tudo o que fizer na vida.
“Quando a conheci, há seis anos, ela cantava em bares e trabalhava com telemarketing para se sustentar. Começamos a namorar, e eu falei para ela: 'Larga tudo para investir na sua carreira e vem morar comigo, que eu vou ajudar. Eu desisti da festa do nosso casamento, com tudo já programado, para investir o dinheiro num clipe que ela fez com o cantor e ator Sérgio Menezes na sede do Fluminense”, emendou.
E coloca o amor e a admiração que tem pelo trabalho da mulher acima de tudo.
"Não quero fama, quero o reconhecimento do trabalha da Luna, que é uma cantora com uma voz linda e que faz músicas românticas que me emocionam muito. Eu acredito e apoio a carreira dela, e esse apoio ela vai ter sempre”, afirmou Jeovanni.
Fonte: G1 Rio