O aumento de internações de crianças com a covid-19 fez soar o alerta nos Estados Unidos. Público ainda não vacinado, os menores de 12 anos agora representam uma fatia maior de novos casos da doença registrados no país e as preocupações de médicos e especialistas se voltam para entender se a variante Delta, disseminada por lá, é capaz de causar quadros mais graves nas crianças.
Embora seja mais transmissível, ainda não há evidências científicas de que a Delta esteja associada à maior gravidade da doença. No Brasil, infectologistas afirmam que as crianças continuam sendo um público menos afetado pela covid-19. Para os especialistas brasileiros, não está claro se a Delta ganhará tanto espaço por aqui. E, mesmo que ganhe, não há indícios de que as crianças ficarão doentes com maior gravidade por causa da nova cepa, segundo afirmam.
"A Delta não tem nenhuma predileção por crianças", diz Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Ele afirma ser natural que, em um cenário de aumento de casos da covid-19, como ocorre nos EUA, as pessoas não imunizadas representem uma fatia maior do total de internados. Nos Estados Unidos, entre 22 e 29 de julho, 19% dos novos casos de covid registrados eram de crianças doentes, de acordo com a Academia Americana de Pediatria (AAP).
Uma reportagem do jornal The New York Times desta semana mostrou que, de 31 de julho a 6 de agosto, 216 crianças com covid foram internadas diariamente, em média - praticamente o mesmo número do início de janeiro, no pico da pandemia, quando 217 crianças infectadas pelo coronavírus eram hospitalizadas todos os dias no país.
No Brasil, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também demonstrou tendência de aumento de hospitalizações de crianças de 0 a 9 anos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) com teste positivo para a covid-19 nos Estados do Rio e em São Paulo, nas últimas semanas. Para o pesquisador Leonardo Bastos, do Programa de Computação Científica da Fiocruz, porém, esse crescimento não tem relação com a Delta.
"A hipótese é que parte dessas hospitalizações é de crianças que estão sendo hospitalizadas por outras causas, mas também estão com covid", diz Bastos. Por essa linha de interpretação, as crianças chegam ao hospital com doenças respiratórias relacionadas a outros vírus que circulam no inverno, mas, quando são testadas para a covid-19, os exames detectam uma co-infecção pelo coronavírus. Os dados são uma projeção com base no Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica da Fiocruz (Sivep-Gripe), do Ministério da Saúde.
O fato de que não houve aumento de internações na faixa etária de 10 a 19 anos - que também não está vacinada - reforça a tese de que a causa das internações são os vírus típicos da infância, que acometem mais as crianças mais novas. O inverno deste ano tem características diferentes: além das temperaturas mais baixas, também caiu o isolamento social, o que contribui para a disseminação de doenças virais, de um modo geral.
"O grau de exposição neste inverno é maior", diz Bastos. "As crianças agora estão circulando, vendo o avô, o tio. E algumas estão em aula presencial." A pesquisa da Fiocruz identificou que o número de óbitos de crianças por covid-19 continua baixo. No Brasil, crianças e adolescentes representam 0,3% do total de mortes pela covid-19. O Brasil é o segundo país com mais óbitos de crianças pela doença.
Dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo indicam que não houve aumento de internações de crianças de 0 a 9 anos na capital. Segundo a pasta, em maio foram 108 internadas com a covid-19 na capital paulista. Em junho, o número caiu para 61 e em julho, ficou em 55. Os números se referem tanto à rede privada quanto à pública na cidade de São Paulo.
Enquanto médicos na linha de frente veem aumento de internações de crianças nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) faz campanhas para que os pais levem os filhos com mais de 12 anos para se vacinar antes do início das aulas, em setembro. Vacinas como a da Pfizer já estão disponíveis para adolescentes e os EUA já começaram a aplicá-las nessa faixa etária. Ainda não há imunizantes aprovados para crianças com menos de 12 anos.
O Brasil tem poucos adolescentes vacinados - já que a maior parte dos Estados ainda não chamou todos os adultos para tomar a primeira dose. No Estado de São Paulo, a previsão é de começar a vacinar adolescentes ainda este mês. O Instituto Butantan pediu em julho à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para incluir crianças e adolescentes de 3 a 17 anos na bula da Coronavac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
Segundo os especialistas, o País precisa avançar na imunização dos adultos para, posteriormente, alcançar as crianças e adolescentes. Meninos e meninas com menos de 12 anos só devem tomar a vacina no ano que vem, segundo projeção dos médicos brasileiros. A previsão de avanço da Delta por aqui coloca mais pressão para a agilidade da vacinação. Pesquisas já demonstraram que a proteção contra a Delta depende das duas doses do imunizante.
"Em uma situação em que temos ainda um contingente alto de adultos não vacinados, eu não colocaria as crianças como prioritárias para receber a vacina", diz Francisco Ivanildo, infectologista e gerente médico do Sabará Hospital Infantil. Na unidade, não houve aumento expressivo de casos ou internações de crianças.
Embora muitas famílias ainda aguardem a vacinação das crianças para mandá-las de volta à escola, os especialistas dizem que não deve haver correlação entre a volta às aulas e a imunização das crianças. No Estado do Rio, o governo atribui à Delta a decisão de suspender as aulas presenciais da rede estadual em 36 municípios.
"Temos de vacinar os pais, avós, professores. Os casos de surtos acometem muito mais os adultos", diz Ivanildo. Medidas de segurança, como uso adequado de máscaras para crianças acima de 2 anos e principalmente a ventilação das salas de aula, reduzem os riscos nas escolas e ajudam a proteger as crianças.
Fonte: Portal Terra