A pesquisadora Claire Walsh, da University College London, em parceria com o European Synchrotron Research Facility (ESRF), desenvolveu um novo tipo de exame de imagem que permite escanear órgãos humanos inteiros em detalhes nunca vistos antes, no nível celular.


A nova técnica usa raios-X da Extremely Brilliant Source (EBS), fonte de energia extremamente brilhante —desenvolvida pelo acelerador de partículas, em Grenoble, na França.


A tomografia Hierarchical Phase-Contrast (HiP-CT) foi usada para analisar um pulmão infectado com covid-19 e mostrou pela primeira vez como o coronavírus afeta estruturas minúsculas do órgão, o que não era possível com os exames disponíveis até então. Outros órgãos doados, entre eles um cérebro, coração, dois rins, baço e um pulmão saudável, também foram mapeados.


Esse tipo de luz síncrotron de quarta geração permite alcançar imagens revolucionárias. A energia gerada no EBS permite os raios-X mais brilhante do mundo, cerca de 100 bilhões de vezes mais nítidos que um raio-X hospitalar.


Estamos falando de visualizar vasos sanguíneos que têm um décimo do diâmetro de um fio de cabelo (cinco mícrons de diâmetro) em um pulmão humano —uma tomografia computadorizada capta apenas vasos que são cerca de 100 vezes maiores (1 milímetro de diâmetro).


Segundo o cientista-chefe do ESRF, Paul Tafforeau, a nova tomografia "é um verdadeiro avanço", porque permite enxergar em 3D detalhes incrivelmente pequenos dentro de um órgão humano completo.


"Isso nos permite distinguir um vaso sanguíneo de um tecido circundante e até mesmo observar algumas células específicas", explicou. "Os órgãos humanos têm baixo contraste e, portanto, são muito difíceis de ver em detalhes. O ESRF-EBS nos permitiu ver o corpo humano como nunca antes."


O que a tomografia do pulmão revelou? As imagens do pulmão infectado revelaram um dano (parenquimatoso) heterogêneo, com alguns lóbulos pulmonares secundários exibindo maior deterioração do que outros.


Ao aproximar a imagem, a equipe descobriu que o lóbulo mais afetado com a infecção grave de covid remodelou alguns vasos sanguíneos dos pulmões, fazendo com que o sangue desviasse entre os capilares que oxigenam o sangue e aqueles que alimentam o próprio tecido pulmonar. Isso impede que o restante do corpo receba oxigênio suficiente, afetando funções vitais dos demais órgãos.


Até então, isso era uma hipótese que não havia sido provada. "Ganhamos uma nova compreensão de como o desvio entre os vasos sanguíneos nos dois sistemas vasculares de um pulmão ocorre quando lesados pela doença e o impacto que isso tem nos níveis de oxigênio em nosso sistema circulatório", explica Danny Jonigk, professor de patologia torácica na Escola de Medicina de Hannover, na Alemanha, e um dos pesquisadores do projeto.


Como obter as imagens Para conseguir fazer a tomografia, os órgãos são fixados, parcialmente desidratados e estabilizados com uma solução de ágar-etanol para garantir uma imagem de alta resolução, sem interferências do meio externo.


O exame é capaz de realizar uma varredura em 3D não-destrutiva de um órgão humano inteiro e, em seguida, permitir que a imagem seja ampliada, com clareza, para o nível celular. As varreduras identificaram claramente características macroscópicas, como lóbulos individuais no pulmão, as quatro câmaras do coração e as artérias coronárias associadas, por exemplo. Mas também permitiram a visualização de unidades funcionais nos órgãos e até algumas células especializadas. No cérebro, por exemplo, a HiP-CT revelou camadas do cerebelo e células de Purkinje individuais (neurônios especializados localizados na segunda camada do córtex cerebelar). No coração, as imagens mostraram feixes de fibras musculares cardíacas compreendendo células cardiomiócitas individuais.


Atlas dos órgãos humanos Com a tecnologia do HiP-CT, a equipe de pesquisadores da UCL está produzindo uma base de dados e imagens de alta resolução para formar um atlas dos órgãos humanos.


Lançado no início de novembro, a plataforma Human Organ Atlas (Atlas dos Órgãos Humanos) é apoiada pela Iniciativa Chan Zuckerberg (CZI), empresa filantrópica de Mark Zubkerberg e sua esposa, Priscilla Chan. Segundo Peter Lee, líder do projeto e professor de engenharia mecânica na UCL, a ideia é ter uma biblioteca com uma variedade de imagens e vídeos de órgãos em diversas escalas, de 1 a 100 microns a órgãos inteiros.


A equipe também espera usar técnicas de aprendizado de máquina e inteligência artificial para calibrar as tomografias e ressonâncias magnéticas. As imagens de alta resolução, que podem fornecer informações fundamentais sobre muitas doenças, como câncer ou Alzheimer, ficarão disponível online para cirurgiões, clínicos e o público interessado.


Fonte: Tilt

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