Cientistas da USP, desenvolveram um sistema inovador, com grafeno, que preserva a memória do computador mesmo quando a energia cai. A queda e a oscilação de energia são o terror para quem usa computador porque quando isso acontece arquivos e jogos abertos são reiniciados a partir do estado em que foram salvos pela última vez.
Mas os pesquisadores brasileiros provaram que é possível evitar os prejuízos e ainda recuperar o que não foi salvo. Marina Sparvoli, pós-doutoranda do Instituto de Física (IF) da USP, em colaboração com outros pesquisadores da Universidade de São Paulo, desenvolveu um mecanismo de memória baseado nos “memristores” a partir de materiais nunca antes combinados.
Colocando em uso as máquinas feitas com memristores, dispondo de memória resistiva (ReRAM), não haverá a divisão das informações dos eletrônicos em unidade de armazenamento (que não depende de energia) e memória instantânea (que apaga com o aparelho desligado).
Grafeno na memória
Uma nova maneira de fabricar memórias computacionais como essas foi criada por cientistas da USP e teve o pedido de registro aceito pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em novembro de 2022.
O protótipo consiste numa camada de grafeno depositada entre contatos de indium tin oxynitride (Iton) — um semicondutor ainda pouco pesquisado — e de alumínio, como um sanduíche.
A eletricidade passa por ele gerando um campo eletromagnético. Dependendo da tensão, forma-se ou não um filamento responsável pelo fenômeno de comutação resistiva, de alta e baixa resistência.
A transparência do material também poderia permitir o uso em arquiteturas eletrônicas próximas à superfície das telas dos aparelhos, reduzindo ainda mais o espaço ocupado, embora esse uso ainda não tenha sido investigado.
O protótipo
O protótipo consiste numa camada de grafeno depositada entre contatos de indium tin oxynitride (Iton) – um semicondutor ainda pouco pesquisado – e de alumínio, como um sanduíche
Apesar de terem sido teorizados pela primeira vez em 1971, pelo filipino Leon Ong Chua, os mecanismos resistivos só começaram a ser testados em 2008, com a introdução da nanotecnologia.
A grande vantagem é que, ao contrário das memórias de eletrônicos atuais, as informações contidas nas memórias resistivas não somem quando o aparelho é desligado. Ainda não existem computadores com essa tecnologia, por isso os testes são feitos em estações de prova de semicondutores (probe station).
Os computadores, videogames e smartphones que usamos no dia a dia possuem as chamadas memórias de acesso aleatório (RAM). Esse é um tipo de armazenamento volátil de leitura e escrita.
A geladeira da memória
Ao contrário dos componentes de armazenamento de dados, onde gravamos os arquivos, elas são rápidas o suficiente para trabalhar com as entradas e os programas executados continuamente enquanto usamos o aparelho.
Essas informações normalmente ficam disponíveis apenas enquanto a máquina está ligada. Por isso, todos dados voláteis são perdidos quando reiniciamos o dispositivo.
Marina Sparvoli fez uma comparação da RAM com a vida cotidiana: “A RAM é a geladeira e a memória principal é o supermercado”.
No caso da memória ReRAM, porém, os dados continuam disponíveis na falta de energia, sem prejuízo da velocidade de acesso e de escrita. Além dessa grande vantagem, os componentes eletrônicos desse tipo são minúsculos e também permitirão a fabricação de aparelhos muito mais velozes.
A explicação
Quando é ligado um computador convencional, o sistema operacional — como Windows, MAC OS, Linux ou Android — é copiado do dispositivo de armazenamento de dados, mais lento, para a memória RAM, de alta velocidade.
O processo é demorado, por exemplo, seria dispensado com o uso das memórias ReRAM. Além disso, os memristores são minúsculos, compreendendo algumas poucas centenas de átomos de espessura, e podem se comportar como conexões neurais biológicas.
Este tipo de memória trabalha com estados de resistência alta e baixa, que correspondem ao código binário da linguagem de máquina (0 e 1).
Já nos computadores convencionais, essa escrita é representada pelas tensões (∆V) — e não pela resistência (Ω) — baixa (0) e alta (1).
Os filamentos de memristores podem ocorrer na escala dos nanômetros, ou seja, de milionésimos de milímetro (0,000.000.001 metro), o que promete uma infinidade de informações salvas em um minúsculo espaço de armazenamento.
Como começou
As investigações de Marina com memristores começaram em 2016, quando era professora visitante do programa de pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais na UFABC e pós-doutoranda em Ciência da Computação pela mesma universidade.
Atualmente, ela tem dois pós-doutorados e desenvolve outra patente. Trata-se de uma técnica de fabricação da celulose bacteriana (ou biofilme), que pode ser obtida através de fermentação de chá verde (jun e kombucha, bebidas de origem chinesa).
“A diferença entre eles é que o primeiro leva mel no processo e o kombucha, açúcar. Na fermentação é produzido ácido acético, gás carbônico e a celulose”, disse Marina. “Como a celulose geralmente não é aproveitada na bebida probiótica, o excesso é descartado. Mas bem pode ser empregado em diversas áreas como textil e médica.”
Marina disse que, a partir dessas informações, o grupo chegou à conclusão que o material pode ser empregado na área de dispositivos eletrônicos, depois de serem feitas algumas caracterizações. “E funciona como sensor”, diz.
As patentes
A cientista já reúne seis patentes na área e todos os seus projetos são enviados ao Centro de Inovações a USP (InovaUSP), que orienta pesquisadores a respeito dos documentos e procedimentos necessários para o registro junto aos órgãos competentes.
Os protótipos são testados em estações de sondagem da USP. No Instituto de Física da USP, o trabalho com a memória resistiva teve a colaboração do professor Chubaci e do técnico de laboratório Fabio de Oliveira Jorge. Na Escola Politécnica (Poli) da USP, colaboraram os pesquisadores Guilherme F. B. Lenz e Silva, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (PMT), e Ronaldo Domingues Mansano, do Centro de Engenharia Elétrica (CEE).
Marina apresentou o invento em diversos encontros, com destaque para a Conferência Mundial de Carbona, no Imperial College of Science de Londres, no Reino Unido, em julho de 2022. A próxima etapa será testar a influência da luz na memória construída com esse material.
Com informações do Jornal da USP