A licença menstrual está, aos poucos, ganhando espaço na legislação dos países. Um dos últimos a aprovar o projeto foi a Espanha, que, com apoio da maioria dos parlamentares, se tornou a primeira nação da Europa a oferecer o direito às mulheres.
No Brasil, um projeto de lei estipulando a licença tramita na Câmara dos Deputados, podendo garantir até três dias consecutivos de afastamento por mês para trabalhadoras que comprovem sintomas graves associados ao fluxo menstrual.
Estima-se que 60% das mulheres tenham dismenorreia (cólica menstrual) em alguma fase da vida e que uma a cada dez mulheres sofram de endometriose, uma condição ginecológica inflamatória crônica que pode se manifestar por meio de ciclos menstruais acentuados e dores intensas.
É o caso da consultora de inovação Kátia Juliana de Santana, de 43 anos, que desde criança tem um fluxo menstrual intenso, acompanhado de cólicas fortes. Ela diz que, muitas vezes, já sentiu a própria capacidade de trabalho diminuir cerca de 80% devido às dores intensas. Como a comunicação com os gestores, sobretudo homens, sempre foi limitada em relação ao assunto, Kátia precisou continuar trabalhando mesmo quando estava "se contorcendo de dor".
"Em 2015 eu tive uma hemorragia por causa da menstruação. Neste dia, eu usei nove absorventes externos junto com o interno. Quando chegou 3h da tarde eu não aguentei de dor e fui para o pronto-socorro Santa Joana. Pedi licença para o meu gestor na época, mas não especifiquei o motivo. Quando fui atendida, a médica pensou até que eu estava tendo um aborto. A partir desse dia, eu comecei a tomar um anticoagulante até o fluxo diminuir", conta Kátia.
São situações como essa que a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora do projeto, quer evitar. Ao SBT News, a parlamentar destacou que o seu principal objetivo ao propor o PL 1249/22 é trazer benefícios à saúde das mulheres, bem como protegê-las de qualquer prejuízo salarial.
"A dismenorreia é uma causa comum de falta ao trabalho e à escola. No ambiente profissional, as faltas podem levar a descontos no salário e demissões. Para não correr esse risco, não são poucas as mulheres que comparecem ao trabalho mesmo apresentando quadros agudos de náuseas, vômitos, diarreia, fadiga, febre, dor nos seios e dor de cabeça. O direito à licença lhes garantiria a proteção necessária em casos muito específicos", disse.
Karina Belickas Carreiro, ginecologista, obstetra e mastologista do Centro de Saúde da Mulher e da Gestante do Hospital e Maternidade Santa Joana, considera a iniciativa um passo importante e que pode, até mesmo, incentivar as mulheres a procurarem ajuda mais precocemente, já que muitas convivem com dores fortes no período menstrual e ignoram o fato, pensando que é algo natural da vida feminina.
"Eu acho que a partir do momento em que você divulga uma informação, as pessoas passam a se atentar as coisas que elas não estavam tão atentas, como a própria endometriose. Eu acredito que quando começar a divulgar a lei, as pessoas vão começar a se questionar e isso é muito bom. As pessoas vão procurar tratamento mais cedo, elas vão ficar melhores mais rápido e vai ser menor o tempo de vida passando por uma situação desconfortável", avalia.
Contras
A advogada trabalhista Maria Lucia Benham alerta, no entanto, que a licença menstrual pode aumentar o preconceito com a contratação de mulheres e que não está claro no PL qual tipo de prova as mulheres deverão apresentar para obter o benefício, o que torna a alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desnecessária, "pois o assunto seria resolvido com falta médica (atestado), o que já existe na lei".
Questionada, a deputada federal do PCdoB informou que a comprovação da condição será mediante um relatório médico.
"Lembrando, que os detalhes específicos carecem de regulamentação do poder executivo que, após a sanção da lei, terá que emitir um decreto especificando a forma como se dará esta comprovação", disse Feghali.
Outra discussão é de como a lei será posta em prática caso aprovada. A estudante de psicologia e estagiária de RH Geovanna Antunes, de 21 anos, por exemplo, relata ter que tomar analgésicos de forma venosa para lidar com a dor da menstruação. À procura de um diagnóstico há quase 8 anos, ela acredita que será necessário uma mudança de cultura e principalmente conscientização das empresas para que as mulheres se sintam à vontade para utilizar o benefício.
"Eu acho que seria importante também essa conscientização da própria equipe, da própria empresa, enfim, em entender que, realmente, tem gente que sofre com isso, e é não é uma doença, né? A cólica. Mas não deixa de ser uma dor que é muito intensa e que afeta muita gente. O meu medo é esse: de ser mal visto e as pessoas desacreditarem das mulheres que fizerem uso do benefício".
Fonte: SBT News